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Um relato sobre a morte








Ao chegar, ainda cheirando a álcool, prontifiquei-me a ser irmão mais velho do Santana. Seus olhos fundos, avermelhados, refletiam a escravidão que passara por toda sua breve vida de 45 anos.
Santana não sabia, mas estava em seus últimos momentos na terra. Arrependido e disposto a tomar um rumo diferente, seu estilo de vida já havia determinado seu estilo de morte.Eu também não sabia que aqueles eram meus últimos momentos ao lado dele, apesar de em teoria ter conhecimento que a retirada abrupta do álcool é violenta e às vezes fatal.Logo após alguns dias eu iria prestar minhas ultimas homenagens em seu velório.

Como diria Nando Reis, " A vida é mesmo coisa muito frágil, uma bobagem, uma irrelevância..."

Indignado com o ponto critico que aquele caminho que escolhera fez em sua vida, sua vontade, apesar de tardia, era verdadeiramente de contemplar a alvorada de um novo rumo.
O choro e as lágrimas foram involuntárias. O coro plangente dos familiares se somava ao vazio que eu sentia naquele momento. Vazio... impotência diante da morte. 
A ilusão do seu caixão confortável e seu terno branco com uma linha desfiada em seu bolso direito não me convenciam que ele realmente descansava em paz. Ele precisava reparar uma vida inteira que fora negligenciada. 
Enfim, fico com suas piadas de caminhoneiro e sua frase para aplacar a dor de sua alma em frangalhos "Deus proverá."
Que Deus te proveja de paz, meu efêmero companheiro de peregrinação nesta vida.

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